miércoles, 3 de octubre de 2007

Tercera lectura: dos cuentos de Rubem Fonseca

Betsy

Betsy esperó el regreso del hombre para morir.

Antes del viaje él había notado que Betsy mostraba un apetito fuera de lo común. Después surgieron otros síntomas, ingestión excesiva de agua, incontenencia urinaria. Hasta entonces, Betsy sólo había padecido de cataratas en uno de los ojos. No le gustaba salir, pero antes del viaje entró inesperadamente con él en el ascensor, y los dos pasearon por la acera de la playa, algo que nunca habían hecho.

El día en que el hombre llegó, Betsy sufrió el derrame y dejó de comer. Veinte días sin comer, acostada en el lecho con el hombre. Los especialistas dijeron que no había nada que pudiera hacerse. Betsy sólo se levantaba de la cama para tomar agua.

El hombre permaneció con Betsy en la cama durante toda su agonía, acariciando su cuerpo, palpando con tristeza la flacura de sus ancas. El último día, Betsy, muy quieta, los ojos azules abierto, miró al hombre con el mismo mirar de siempre, que confesaba la comodidad y el placer que su presencia y sus cariños le proporcionaban. Comenzó a temblar y él la abrazó con más fuerza. Sintiendo que sus miembros estaban fríos, el hombre trató de acomodarla mejor en el lecho. Ella entonces estiró el cuerpo, como si se desperezara, y écho la cabeza hacia atrás, en un gesto lleno de languidez. Después estiró aún más el cuerpo, y suspiró con fuerza. El hombre pensó que Betsy había muerto. Pero al cabo de algunos segundos ella lanzó otro suspiro. Horrorizándose de su meticulosa atención, el hombre contó, uno a uno, todos los suspiros de Betsy. En un breve intervalo ella exhaló nueve suspiros iguales, la lengua afuera, pendiendo a un lado de la boca. Luego empezó a golpear su vientre con los dos pies juntos, como hacía a veces, sólo que con mayor violencia. Después, se quedó inmóvil. El hombre pasó su mano levemente por el cuerpo de Betsy. Ella se desperezó y alargó los miembros por última vez. Estaba muerta. Ahora, el hombre sabía que estaba muerta.

La noche entera la pasó despierto a su lado, acariciándola suavemente, en silencio, sin saber qué decir. Habían vivido juntos dieciocho años.

Por la mañana, la dejó en el lecho y fue hasta la cocina y preparó un café puro. Fue a tomarlo en la sala. La casa nunca había estado tan vacía y tan triste.

Por fortuna, el hombre no había botado la caja de cartón de la licuadora. Regresó al cuarto. Cuidadosamente, puso el cuerpo de Betsy dentro de la caja. Con la caja debajo del brazo se dirigió a la puerta. Antes de abrirla y salir, se enjugó los ojos. No quería que lo vieran así.

Rubem Fonseca: del libro "Histórias de amor" (cuentos), editado por Cia. das Letras - São Paulo, 1997.



Cidade de Deus

O nome dele é João Romeiro, mas é conhecido como Zinho na Cidade de Deus, uma favela em Jacarepaguá, onde comanda o tráfico de drogas. Ela é Soraia Gonçalves, uma mulher dócil e calada. Soraia soube que Zinho era traficante dois meses depois de estarem morando juntos num condomínio de classe média alta da Barra da Tijuca. Você se importa?, Zinho perguntou, e ela respondeu que havia tido na vida dela um homem metido a direito que não passava de um canalha. No condomínio Zinho é conhecido como vendedor de uma firma de importação. Quando chega uma partida grande de droga na favela Zinho some durante alguns dias. Para justificar sua ausência Soraia diz, para as vizinhas que encontra no playground ou na piscina, que o marido está viajando pela firma. A polícia anda atrás dele, mas sabe apenas o seu apelido, e que ele é branco. Zinho nunca foi preso.

Hoje à noite Zinho chegou em casa depois de passar três dias distribuindo, pelos seus pontos, cocaína enviada pelo seu fornecedor em Puerto Suarez e maconha que veio de Pernambuco. Foram para a cama. Zinho era rápido e rude e depois de foder a mulher virava as costas para ela e dormia. Soraia era calada e sem iniciativa, mas Zinho queria ela assim, gostava de ser obedecido na cama como era obedecido na Cidade de Deus.

“Antes de você dormir posso te perguntar uma coisa?”

“Pergunta logo, estou cansado e quero dormir, amorzinho.”

"Você seria capaz de matar uma pessoa por mim?"

“Amorzinho, eu mato um cara porque ele me roubou cinco gramas, não vou matar um sujeito que você pediu? Diz quem é o cara. É aqui do condomínio?”

“Não”.

“De onde é?”

“Mora na Taquara”.

“O que foi que ele te fez?”

“Nada. Ele é um menino de sete anos. Você já matou um menino de sete anos?”

“Já mandei furar a bala as palmas das mãos de dois merdinhas que sumiram com uns papelotes, pra servir de exemplo, mas acho que eles tinham dez anos. Por que você quer matar um moleque de sete anos?”

“Para fazer a mãe dele sofrer. Ela me humilhou. Tirou o meu namorado, fez pouco de mim, dizia para todo mundo que eu era burra. Depois casou com ele. Ela é loura, tem olhos azuis e se acha o máximo.”

“Você quer se vingar porque ela tirou o seu namorado? Você ainda gosta desse puto, é isso?”

“Gosto só de você, Zinho, você é tudo para mim. Esse merda do Rodrigo não vale nada, só sinto desprezo por ele. Quero fazer a mulher sofrer porque ela me humilhou, me chamou de burra, ria na frente dos outros.”

“Posso matar esse puto.”

“Ela nem gosta dele. Quero fazer essa mulher sofrer muito. Morte de filho deixa a mãe desesperada.”

“Está bem. Você sabe onde o menino mora?”

“Sei.”

“Vou mandar pegar o moleque e levar para a Cidade de Deus.”

“Mas não faz o garoto padecer muito.”

“Se essa puta souber que o filho morreu sofrendo é melhor, não é? Me dá o endereço. Amanhã mando fazer o serviço, a Taquara é perto da minha base.”

De manhã bem cedo Zinho saiu de carro e foi para a Cidade de Deus. Ficou fora dois dias. Quando voltou, levou Soraia para a cama e ela docilmente obedeceu a todas as suas ordens, Antes de ele dormir, ela perguntou, “você fez aquilo que eu pedi?”

“Faço o que prometo, amorzinho. Mandei meu pessoal pegar o menino quando ele ia para o colégio e levar para a Cidade de Deus. De madrugada quebraram os braços e as pernas do moleque, estrangularam, cortaram ele todo e depois jogaram na porta da casa da mãe. Esquece essa merda, não quero mais ouvir falar nesse assunto", disse Zinho.
“Sim, eu já esqueci.”

Zinho virou as costas para Soraia e dormiu. Zinho tinha um sono pesado. Soraia ficou acordada ouvindo Zinho roncar. Depois levantou-se e pegou um retrato de Rodrigo que mantinha escondido num lugar que Zinho nunca descobriria. Sempre que Soraia olhava o retrato do antigo namorado, durante aqueles anos todos, seus olhos se enchiam de lágrimas. Mas nesse dia as lágrimas foram mais abundantes.

“Amor da minha vida”, ela disse, apertando o retrato de Rodrigo de encontro ao seu coração sobressaltado.


Texto extraído do livro "Histórias de Amor", Cia. das Letras - 1997 - São Paulo, pág. 11.


Ver reseña en El hablador

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